quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

ANA PRIMAVESI -PIONEIRA NA AGROECOLOGIA!





PERFIL

FILHA DA TERRA

PIONEIRA DA AGROECOLOGIA NO PAÍS, ANA PRIMAVESI ENSINA HÁ MAIS DE 60 ANOS QUE É POSSÍVEL ALIAR A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS À CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE.
(Texto de Janice Kiss. Fotos de Ernesto de Souza).


Desde o início, ela manteve uma relação de intimidade com a terra. Talvez faça parte da herança da família de agricultores, no vilarejo de St.Georgen Ob Judenburg, no sul da Áustria. E foi na capital daquele país, Viena, que ela cursou Agronomia e casou-se com um colega de profissão. Mas a forte ligação com a natureza fez a agrônoma Ana Maria Primavesi ir na contramão das técnicas estabelecidas e procurar sempre se guiar pelos sinais que o solo oferece. Na sua forma de diagnosticá-lo, estão inclusas as práticas de cheirar a terra para saber se a matéria orgânica foi enterrada profundamente e sentir entre as mãos sua textura como indicativo do equilíbrio de nutrientes. 
Por mais de 60 anos, a maior parte deles no Brasil, ela se aperfeiçoa numa agronomia que, no seu modo de ver, 'não compete com as leis da natureza'. A doutora Ana Primavesi que preferiu excluir o Maria de seu nome por uma recomendação da numerologia, pois 'não dava um número bom', é considerada uma das pioneiras da agroecologia no país, ciência que leva em conta o restabelecimento ou a conservação do solo permeável protegido por uma vegetação diversificada. Numa tradução simplificada, significa extrair dos recursos naturais as condições ideais para o desenvolvimento das lavouras. 
1920 Vilarejo de St. Georgen Ob Judenburg, onde nasceu, no sul da Áustria
Recomenda-se uma revisão de conceitos a quem se apressa em classificar essa forma de trabalhocomo alternativa. Essa senhora de 83 anos é responsável pela formação de três gerações de profissionais das ciências agrárias, cujo princípio básico é adequar a produção agrícola ao respeito de cada agroecossistema. Difícil de entender? Ana retoma sua própria história. 'Vivi uma época em que a agricultura química praticamente não existia', esclarece. Ela se refere à fazenda dos pais e de tantos outros camponeses que tocavam seus plantios antes da Revolução Verde, uma campanha iniciada nos Estados Unidos, durante a década de 60, que implantou a mecanização e o uso de defensivos nas plantações. O enfoque da Universidade Rural de Viena, onde se formou nos anos 40, era o mais próximo possível do que ela apregoa até hoje: garantir às gerações futuras o alimento e a conservação do meio ambiente. 
1925 Ana aos cinco anos, filha de agricultores austríacos



No seu modo de entender, os métodos de cultivo da terra em 1945 eram mais avançados se comparados aos dos dias de hoje, porque os homens não tinham optado pela monocultura. 'O plantio único nos trouxe uma avalanche de doenças aplacadas por agrotóxicos', afirma. E Ana Primavesi aproveita para dar uma aula. 'O adubo químico é basicamente formado por três elementos e a planta necessita de 45', diz.
Suas comparações nem de longe evocam uma espécie de saudosismo. Ela as utiliza como dados valiosos nas palestras que costuma proferir, atendendo a convites, em países da América Latina e Europa. No ano passado foram quase 40.
http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC500416-1641-1,00.html


PIONEIRISMO
(texto Janice Kiss. Fotos Ernesto de Souza)


1996 Palestrante em encontro sobre plantio direto, na Argentina



De certa forma, a doutora Ana se acostumou a falar e fazer as coisas muito antes delas se tornarem usuais. Isso começou a acontecer na universidade, quando a ciência agrária não era profissão de mulher. 'Havia apenas eu e mais duas garotas em todo o curso', relembra. A exclusividade, por assim dizer, proporcionou o encontro com o marido que, ao lado de outros rapazes, ficavam de olho nas únicas moças da faculdade. Quem a escuta nos cursos sobre os fundamentos da agroecologia não pode imaginar que, atrás daquela impressão de professora rigorosa, se esconde uma dançarina de valsas vienenses. Mas seus alunos não estão lá para fazer esse tipo de especulação. É que Ana costuma empregar com eles o mesmo relacionamento que tem com os filhos. 'Liberdade associada ao cumprimento rígido de certos princípios', diz. No caso, o de que o papel social da agronomia é o da redução da pobreza pelo caminho da recuperação ambiental, no qual é essencial o manejo ecológico do solo.
2002 Professora convidada da Universidade de Chiapas, México

Em pouco tempo de conversa o interlocutor logo se dá conta que a doutora conhece como poucos a terra brasileira e as possibilidades de seu uso. 'Na Amazônia pode-se conseguir uma mata enriquecida mediante o plantio de árvores de valor econômico como a seringueira, castanheira, açaí ou cajueiro. Por sinal, produtos com alto valor de exportação', informa. Não deixa de lamentar, também, algumas mudanças modernas que considera prejudiciais: 'no passado, Manaus vendia fécula e farinha da mandioca que cresce com muita facilidade por lá e era a base da alimentação da população. Hoje os supermercados comercializam batata trazida do Rio Grande do Sul, cujo preço é proibitivo para os moradores', critica.
A sua fala é assim, um misto de ensinamentos agronômicos quase nunca dissociados de uma análise econômica. E tem alguns pontos que a doutora Primavesi não se cansa de repetir, como as diferenças entre agricultura orgânica e ecológica. A primeira, segundo ela, substitui o uso de defensivos químicos e se fixa no combate às doenças, ao contrário da segunda, que se preocupa com o porquê do aparecimento das moléstias. 'A agroecologia não é uma visão fatorial, procura evitar a doença em vez de combatê-la', analisa. Para deixar mais claro, exemplifica com um caso que aconteceu na sua própria fazenda. Certa vez, a lagarta-do-cartucho não perdoou o milharal. Ela percebeu, porém, que a razão do ataque estava na deficiência de boro na terra. 'Depois de cinco a oito quilos de bórax por hectare não tem lagarta que apareça', explica.
VIDA NO SOLO Sempre que pode Ana Primavesi gosta de enaltecer a sabedoria nata dos agricultores antigos que, ao trabalharem com o aradinho de boi ou de burro, não lavravam a terra a mais de 12 ou 15 centímetros de profundidade. Dessa forma, não sacrificavam a vida dos microorganismos de solo que produzem grande quantidade de antibióticos e são afetados quando a remoção é mais profunda.
Tudo o que a doutora diz nas palestras não tem como destino apenas ouvintes já acostumados a sua orientação ecológica. Seu público é bem mais amplo: de empresas especializadas em biotecnologia a pecuaristas que buscam a melhoria da pastagem para o gado. Boa parte das recomendações são elaboradas na Fazenda Ecológica, propriedade escolhida em razão de seu amor às montanhas e por se tratar de uma região de pecuária, portanto, sem risco de pulverização com agrotóxicos. Às vezes interrompe o trabalho para tomar um café com stévia ou preparar geléias de frutas orgânicas que nunca come, porque contêm açúcar. Mas elas são reservadas aos amigos que vão até lá à procura de uma boa prosa.


Frases
TEXTO JANICE KISS
FOTOS ERNESTO DE SOUZA


'' O trabalho dela é admirável porque nunca desprezou alguns fatores como a erosão do solo ou o desperdício da água, numa agricultura que toma caminhos cada vez mais preocupantes.'
Washington Novaes, jornalista
'' Antes de tudo, uma profissional corajosa que enfrentou o conservadorismo em nome de uma visão mais ampla da agronomia.'
Jackson Teruo Ota, agrônomo e vice-gerente de Certificação do Instituto Biodinâmico
'' O respeito aos processos naturais e à conservação do solo fizeram de Ana Primavesi uma referência no modelo de desenvolvimento sustentável de exploração agrícola.'
Walter Lazzarini, ex-secretário da Agricultura de São Paulo e consultor ambiental
'' A vida pulsa forte nessa mulher carinhosa que foi capaz de deixar perplexos os especialistas que se aprofundavam cada vez mais em suas análises estreitas.'
José Pedro Santiago, Organização Internacional Agropecuária




FILHA DA TERRA
(texto Janice Kiss. Fotos Ernesto de Souza)


Quando o orgânico não é ecológico
Antes de iniciar um curso ou uma palestra, a professora Ana Primavesi faz questão de deixar bem claro aos seus ouvintes as diferenças que existem entre os vários métodos de agricultura que procuram produzir alimentos sem defensivos químicos. Um ponto sempre levantado é o crescimento desenfreado do mercado de alimentos orgânicos, que alcança, no Brasil, taxas de 50% ao ano. Essa expansão reforçada por motivos mercadológicos, segundo ela, agrava o risco da produção não ser feita de forma correta. 'De nada adianta se não for levado em conta o manejo ecológico do solo', sustenta.
A agrônoma aponta o exemplo de produtores orgânicos da Argentina, visitados por ela, que desrespeitaram a regra de não revirar o solo abaixo dos 15 centímetros de profundidade. Eles passaram a enfrentar outra dificuldade: o endurecimento da terra. 'Acontece uma destruição da estrutura do solo porque a terra não fixa mais nitrogênio. É um fracasso total e custa caro', explica. A professora prolonga a explicação dizendo que nos trópicos não se pode fazer a aração produnda de jeito nenhum porque a parte fértil fica soterrada. 'Os microrganismos que produzem uma enorme quantidade de antibióticos têm sua vida inibida', acrescenta.
Ana teme a visão simplista do cultivo orgânico apenas como substituição dos agrotóxicos. 'Não adianta trocar defensivos químicos por caldinhos porque eles também podem ser tóxicos', explica. Ela insiste em dizer que é necessário prevenir as doenças e não apenas combatê-las. E é com esse jeito amplo de ver as coisas que Ana filosofa sobre a vida: 'existe uma conexão entre a saúde do homem, a sanidade da comida e o equilíbrio da natureza.'